Alice Munro, mais uma vez, e a propósito de Bret Easton Ellis

c8048-elis-monroÉ sabido: Bret Easton Ellis não aprecia Alice Munro, autora vencedora do Nobel da Literatura deste ano. Foi o próprio quem o disse: «Alice Munro foi sempre uma escritora sobrevalorizada e agora que ganhou o Nobel sê-lo-á sempre. O Nobel é uma anedota, e já o é há muito tempo…»

Percebo a angústia de Easton Ellis e aquilo que ele chama do seu «ódio sentimental» para com a literatura de Munro. Sinceramente, percebo. E fundamentalmente porque percebo que a literatura de Ellis não podia estar mais distante da literatura de Munro (e, na verdade, espantoso seria Ellis não demonstrar uma certa forma de desprezo «sentimental» para com Alice Munro).

Tenho amigos que confessam amor profundo ao livro de Ellis, American Psycho – ou ao filme, não sei, qualquer coisa. Vi o filme. Nunca li o livro. Aliás, vi já vários (dois?) filmes baseados em histórias de Ellis. Que me lembre, nunca li propriamente nenhum livro do rapaz. Os filmes não me impressionaram. E, por essa razão, os livros nunca me aliciaram. De algum modo, os filmes vacinaram-me e desinteressaram-me do seu projecto literário. É certo que, em grande medida, eles fizeram exactamente aquilo que deviam fazer – e foram (em espírito pelo menos) o mais fiel possível à literatura do seu autor.

Não é preciso muito para perceber o ponto. A literatura de Munro é preenchida, as suas personagens são densas. Maioritariamente idosas, elas têm não só uma história como, numa palavra, uma vida. Afinal, tudo aquilo que falta às personagens de Ellis. Porque as personagens de Ellis são jovens, vazias e alienadas. Como espelhos, elas são um puro reflexo de um mundo também ele vazio e alienado – um mundo niilista e hedonista, em grande medida sempre psicótico. Elas não têm vida porque fazem parte de um mundo ele próprio já sem vida.

Entendamo-nos. Isto não é uma crítica. Em certo sentido, é a obra de Ellis quem melhor retrata um certo mundo pós-pós-moderno sem valores aparentes (excepto o valor da ausência de valores) em que em parte já nos encontramos metidos. Mas este é um mundo que não pode deixar de soar completamente estranho ao universo literário de Alice Munro, a qual, no fundo, escreve sobre um outro tempo, não há tanto tempo assim.

Easton Ellis nunca poderá compreender Alice Munro, porque Ellis não percebe as personagens preenchidas de Munro. Tal como Munro, do mesmo modo, com certeza não perceberá as personagens ocas de Ellis. É uma simples questão de pontos de contacto. E entre Easton Ellis e Alice Munro não há nenhum. Que isso em si mesmo diga algo acerca da qualidade literária de qualquer um dos dois autores é uma história distinta. É certo que os universos não se tocam, mas não deixam de ser universos por isso.

O Nobel é uma anedota, e já o é há muito tempo? Verdade, Bret, verdade – e basta olhar para muitos dos vencedores e alguns dos vencidos. Mas este ano, pelo menos, é preciso dizer que até nem foi. Apenas foi para longe, para uma galáxia que para todos nós já parece distante.

_ Tiago Apolinário Baltazar

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