A Luz em Agosto, William Faulkner

luzemagostoMais conhecido por romances como O Som e a Fúria e Absalão, Absalão!, William Faulkner explora de forma magistral em Luz em Agosto alguns dos temas que formarão o núcleo mais significativo da sua obra: a vivência das gentes do sul dos Estados Unidos, a herança da guerra civil, as questões da raça e as suas implicações sociais e morais na vida das populações. A religião tem também o seu peso relativo bem vincado, quer através da culpabilização das acções pelo pecado, quer através de referências ainda mais subtis como símbolos de cariz religioso e passagens mescladas da Bíblia no texto narrativo.

Com personagens dotadas de uma profunda densidade psicológica e filosófica, a narrativa desenvolve-se em torno de duas dessas personagens, Lena Grove e Joe Natal (Joe Christmas na versão original) que, embora nunca se cruzando na narração, partilham o traço dramático do nascimento: no caso de Lena, a mulher que será mãe; no caso de Joe, o homem que foi filho.

Lena é uma jovem que parte em busca do homem que lhe prometera, uns meses antes, a felicidade num qualquer outro ponto do país que não aquele, devido ao que tinha acontecido entre os dois numa noite de sábado. Podemos ler em Lena, talvez de forma muito simplista, a representação da inocência, da bondade, da resignação como inevitabilidade de uma certa juventude sulista. Lena aceita tudo o que lhe vai acontecendo nessa viagem, na procura por uma felicidade comedida, de forma muito natural, não fazendo dos obstáculos uma adversidade, tomando-os antes como parte do seu destino e seguindo em frente.

Joe Natal, por seu lado, é um homem acossado pelo passado. Criado num orfanato, será assombrado pelo desconhecimento da sua verdadeira origem até ao fim da vida. O seu nome, mais do que um nascimento, representa a morte de um ser quase à nascença pela ausência de balizas que o enquadrem. Ainda no orfanato, é definido de forma brutal mas verdadeira: «Tu não sabes o que és. E mais ainda, nunca vais saber. Vais viver e morrer sem nunca saberes.» Este estigma persegui-lo-á de formas variadas. A ironia está em que, não sabendo aquilo que é, tem de escondê-lo dos outros para continuar a sê-lo.

Paralelamente a estes dois fios condutores da narrativa existe ainda outra figura, mais importante pelo simbolismo inerente que transporta do que pela influência que tem na acção em si: o reverendo Gail Hightower, obcecado pelo passado e cuja epifania marca indelevelmente o quase fim do romance, representando talvez o que o próprio Faulkner sentia como o pulsar do sofrimento dos povos do sul, não apenas dos negros, mas também dos brancos que tinham perdido a guerra da secessão com os Estados da União.

Possuidor de uma escrita na maior parte das vezes torrencial, utilizando frequentemente a técnica do fluxo de consciência, múltiplos pontos de vista e mudanças secas no tempo narrativo, Faulkner intercala a espaços momentos de narração directa, contida e enxuta, possibilitando a respiração do texto e permitindo retirar a camada translúcida da prosa que impregna os seus livros e que os torna mais difíceis mas também mais ricos.

Embora sendo aclamado como um dos autores mais influentes do século XX, na altura da publicação de Luz em Agosto, em 1932, e já depois da publicação de O Som e a Fúria, William Faulkner vendia artigos e contos para jornais e revistas para sobreviver. Foi também nesse ano, e por esse mesmo motivo, que iniciou a sua colaboração com Hollywood. Vencedor do Nobel da Literatura de 1949 (entregue apenas em 1950), ser-lhe-iam ainda atribuídos dois National Book Awards e dois prémios Pulitzer

Tiago Montenegro

Luz em Agosto
William Faulkner
trad. Ana Maria Chaves
Dom Quixote
1996

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